Há alguns dias, um grupo de jovens ocupa a câmara de vereadores de Natal. Os manifestantes protestam contra a prefeita Micarla de Sousa (PV). Esta seria uma manifestação corriqueira, não fossem alguns acontecimentos. Em primeiro lugar, nunca houve semelhante ato na Câmara de Vereadores, mesmo diante dos mais diferentes descalabros. Por outro lado, trata-se de um movimento suprapartidário, no qual os manifestantes se orgulham de repetir que se trata de uma ação horizontal, isto é, distante de hierarquias rígidas e dos dirigentes partidários.
Eis a principal inovação: os jovens se reuniram pela Internet e propõem o impeachment da prefeita. Foram organizados atos públicos num ponto central da cidade, reunindo milhares de ativistas que pararam o trânsito de uma das principais avenidas da cidade. O twitter e outras novas redes têm sido utilizadas à exaustão, conforme a perspectiva do ciberativismo. Artigos publicados em blogs e revistas eletrônicas pipocaram por todos os lados, enquanto os jovens continuam transmitindo pronunciamentos e mostrando o dia-a-dia da ocupação pela Internet, usando a ferramenta twitcam.
CIBERATIVISMO NAS RUAS E NA CÂMARA
Inicialmente, os ocupantes foram recebidos sem grandes sobressaltos na câmara de vereadores. Entretanto, com o passar do tempo e com a crescente repercussão, as pressões começaram a despontar. O presidente da Câmara, Edvan Martins, tentou negociar a saída dos jovens. Posteriormente, houve uma tentativa desastrada de plantar maconha e preservativos no acampamento, com o claro intuito rotular os acampados como baderneiros. Por fim, houve ameaças de expulsão à força, empregando a polícia militar. No momento, um habeas corpus protege os ocupantes, embora Edvan Martins ainda insista na retirada. Os ativistas declaram que só sairão quando for instalada uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) para investigar os contratos de aluguéis firmados pela prefeitura. Há a suspeita de que tais contratos sejam utilizados para beneficiar pessoas ligadas à prefeita, lesando os cofres públicos. A CEI já tinha sido criada, mas com total controle dos apoiadores da prefeita. A oposição exige participar, ocupando a relatoria ou a presidência da comissão.
MÍDIA REGIONAL E A NOVA ESFERA PÚBLICA
Apresentados os fatos em destaque, é importante ressaltar um importante debate de fundo: o papel da Mídia regional na esfera pública. Habermas ressaltou em seus textos que o espaço público sofreu consideráveis transformações ao longo do século XX, com a crescente influência midiática. No caso da Mídia regional no Brasil, não podemos ignorar certos fatores que concorreram para vulnerabilidades históricas: concentração de renda; concentração de poder político; extrema deficiência educacional.
Em outras palavras: temos jornais de baixa qualidade, que vendem pouco; temos emissoras de Rádio voltadas ao proselitismo político-religioso; temos emissoras de TV devotadas aos príncipes eletrônicos, conforme conceito de Otávio Iani. Uma Mídia que padece de males históricos: jornalistas mal remunerados, oprimidos em redações pouco afeitas à diversidade de ideias; imprensa panfletária e retrógrada, tutelada por donos pouco interessados em conhecer e debater a realidade; emissoras sob o controle de políticos, ávidos por transformarem telespectadores em votos.
COBERTURA JORNALÍSTICA?
No caso dos jovens contra a prefeita, percebe-se uma cobertura em que a informação nem sempre é apurada da melhor maneira, de acordo com os princípios do verdadeiro jornalismo. A prefeita é jornalista e desfruta de uma concessão de TV. Evidentemente, fez uso dos telejornais da emissora para tentar deslegitimar os jovens, tentando atribuir a eles uma imagem negativa. Jornais e alguns blogs de jornalistas publicam comentários e matérias sem ouvir os manifestantes, que frquentemente são retratados como arruaceiros e despolitizados.
Ao mesmo tempo, a prefeita investe generosamente em propaganda, o que leva a conquistar a simpatia de alguns donos de jornais. Vale informar que a prefeita ostenta níveis memoráveis de desaprovação conforme pesquisas divulgadas. Na verdade, há uma alarmante rejeição aos políticos e à política em si, o que pode ser perigoso, pois pode resultar numa descrença generalizada na democracia.
DÚVIDAS
Fica a dúvida: jornais e jornalistas podem se aventurar a distorcer e a mentir da forma como se fazia num passado não tão distante? Emissoras de TV podem negar os fatos, prejulgar e construir matérias atreladas à visão de seus “donos”, mesmo quando a população sabe quem são e como pensam estes “donos”? Tenho a impressão de que os meios de informação que não se renovarem, isto é, os meios que abdicarem da busca constante pelas diferentes visões dos fatos, insistindo em rejeitar um diálogo franco com a audiência podem descobrir um dia que se tornaram obsoletos. Este dia pode ser hoje.
Ruy Alkmim Rocha Filho
Jornalista e professor universitário
@ruycomunica
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